O Jornalismo Literário é um estilo que une o texto jornalístico à literatura, com o objetivo de produzir reportagens mais profundas, amplas e detalhistas, com uma postura ética e humanizada. Este ramo do jornalismo foge do noticiário superficial, revela um universo que geralmente fica oculto nas entrelinhas das matérias cotidianas e apresenta um ponto de vista pessoal, autoral, sobre a realidade. Assim, pode-se afirmar que o Jornalismo Literário é uma mescla de Jornalismo, Literatura e História, praticado com responsabilidade e princípios morais. Ele pode ser expresso através de livros, filmes, programas de TV, artigos de jornais e revistas, meios virtuais, entre outros.
"Jornalismo literário é a abordagem pessoal de um acervo
coletivo. Por ser coletivo o acervo, essa abordagem pessoal tem um compromisso.
Tudo o que aparece num enfoque tradicional da notícia está contido num texto de
jornalismo literário. Portanto, jornalismo literário não é superficialidade,
literatice, romantismo ou alienação. Trata-se da confecção de uma notícia com
alta voltagem de criação de linguagem, como acontece na literatura. Não é, como
se costuma dizer, “poesia”. É jornalismo para seduzir o leitor, informando-o
sem aborrecê-lo e atraindo-o para a essência dos fatos. E qual é a essência dos
fatos? É a versão compatível com a lógica, pautada pela ética, que contribui
para o conhecimento de quem lê. Não se trata, portanto, de perda de
tempo." (Nei Duclós)
Esta especialidade é também chamada de literatura não-ficcional,
literatura da realidade, jornalismo em profundidade, jornalismo diversional,
reportagem-ensaio, jornalismo de autor. A subjetividade que a marca
contrapõe-se à extrema objetividade do ‘lead’. Esta modalidade aparece na mídia
no século XIX, em solo europeu. Na década de sessenta, no território
norte-americano, destaca-se o exercício investigativo de Truman Capote, autor
do livro-reportagem “A Sangue Frio”, no qual reconstitui detalhadamente um
crime monstruoso ocorrido nos EUA, acentuando o perfil das vítimas e o caráter
dos jovens criminosos.
O
americano Truman Capote foi um escritor versátil: produziu
textos de qualidade em vários gêneros (contos, peças, reportagens, adaptações
para TV e roteiros para filmes). Mas sua grande obra foi o romance-reportagem A
sangue frio, que conta a história da morte de toda a família Clutter, em
Holcomb, Kansas, e dos autores da chacina.
Capote
decidiu escrever sobre o assunto ao ler no jornal a notícia do assassinato da
família, em 1959. Quase seis anos depois, em 1965, a história foi publicada em
quatro partes na revista The New Yorker. Além de narrar o extermínio do
fazendeiro Herbert Clutter, de sua esposa Bonnie e dos filhos Nancy e Kenyon -
uma típica família americana dos anos 50, pacata e integrada à comunidade -, o
livro reconstitui a trajetória dos assassinos. Perry Smith e Dick Hikcock
planejaram o crime acreditando que se apropriariam de uma fortuna, mas não
encontraram praticamente nada.Perry era um sonhador. Teve criação conturbada e
violenta, e achava que a vida lhe tinha dado golpes injustos. Dick, considerado
o cérebro da dupla, queria apenas arrebatar o dinheiro e desaparecer. Presos e
condenados, ambos morreram na forca em 1965.
Publicado
no mesmo ano da execução dos assassinos, A sangue frio rapidamente
se tornou um sucesso de crítica e vendas, rendendo alguns milhões de dólares ao
autor. A intensa relação que Capote estabeleceu com suas fontes foi
determinante para o êxito da obra. Além de passar mais de um ano na região de
Holcomb, investigando e conversando com moradores, ele se aproximou dos
criminosos e conquistou sua confiança. Traçou um perfil humano e eloqüente dos
dois "meninos", como costumava chamá-los.Por seu estilo que combina a
precisão factual com a força emotiva da criação artística - um romance de
não-ficção, nas palavras do próprio autor -, A sangue frio é um marco na
história do jornalismo e da literatura dos Estados Unidos. Reflexão sutil sobre
as ambigüidades do sistema judicial do país, o texto desvenda o lado obscuro do
sonho americano.
No
Brasil, tornou-se famosa a prática exercida pelos jornalistas da Revista
Realidade e do Jornal da Tarde, que apostaram em um
jornalismo que vai além das aparências e mergulha fundo nos fatos, gerando
obras criativas, que exploram o lado autoral de cada jornalista, e ao mesmo
tempo exigem destes profissionais o apuro na apresentação de dados minuciosos e
a procura do ser humano por trás dos fatos objetivos. Conforme José Hamilton
Ribeiro, o jornalismo que se praticava na revista Realidade era um jornalismo
diferenciado e que trazia em seu interior assuntos aprofundados e bem
trabalhados, além de uma leitura satisfatória.
“Passava
por esse exercício de edição de texto que era muito interessante porque a
edição de texto que se fazia era transformar o texto numa leitura agradável,
numa leitura de qualidade literária. Então o que é qualidade literária? Aquela
coisa que você lê com prazer de ler. Então um dos objetivos da edição de texto
era fazer reportagens que provocassem prazer na sua leitura. Ora, provocar
prazer. A primeira coisa que tem que ter é a reportagem não ter erros técnicos.
Ela não pode estar falando de medicina e de repente confundir anastomose com
uma anamnésia” (RIBEIRO, 2011).
A Revista
Realidade foi uma das pioneiras desta modalidade jornalística no
Brasil. Nascida em 1966, em pleno Grupo Abril, primava por reportagens muito
bem produzidas, vindas à luz através de textos primorosos e atraentes. Ela foi
inspirada no movimento corrente nos Estados Unidos entre os anos 60 e 70, o New
Journalism, traduzido como Jornalismo Literário. Nomes de destaque brilharam
nesta especialidade, além de Capote - Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer,
Joseph Mitchel, entre outros. Esta prática do texto jornalístico mesclado com
elementos da literatura também foi exercida quase involuntariamente por
escritores talentosos como Euclides da Cunha, em sua obra-prima “Os Sertões”,
João do Rio, jornalista e escritor, e o autor colombiano Gabriel García
Márquez. Grandes nomes do Jornalismo Literário: Norman
Mailer, Stephen Crane, Susan Sontag, Gay Talese, Tom Wolfe, Hunter
Thompson, Raymond Mungo, Michael Herr.
Filmes/
Documentários com base em jornalismo literário
Guerra
de Canudos, 1997
Baseado na obra máxima “Os Sertões”, do jornalista e escritor Euclides da Cunha, o filme retrata o Brasil pós proclamação da República e envolto em agitação política. O filme conta a história da Guerra de Canudos, um dos maiores crimes contra os direitos humanos cometido no País, sob a ótica de uma família de sertanejos que, após terem seus bens confiscados sob alegação de arrecadação de tributos pela República, ficam na miséria e resolvem seguir o famoso peregrino Antônio Conselheiro (José Wilker). A história se passa no sertão da Bahia, região, historicamente caracterizada por latifúndios improdutivos, secas cíclicas e desemprego crônico e que passava por uma grave crise econômica e social. Nesse contexto, milhares de sertanejos e ex-escravos partiram para Canudos, cidadela liderada por peregrino Antônio Conselheiro, unidos na crença numa salvação milagrosa que pouparia os humildes habitantes do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social. O filme mostra a cobertura feita por Euclides da Cunha utilizando o personagem Pedro, que assim como o Euclides é um jornalista cobrindo a guerra. O livro “Os Sertões”, fonte importante para a elaboração do filme, é uma obra-prima da literatura e do Jornalismo Literário brasileiro.
Edifício
Master, 2002
No ano em que perdemos Eduardo Coutinho, um grande nome do cinema e do
jornalismo brasileiro, nada mais simbólico que rever as obras deste
documentarista primoroso. O documentário “Edifício Master”, é considerado uma
obra-prima pela sutileza de contar o cotidiano de pessoas comuns com um toque
de literatura e jornalismo. Eduardo Coutinho filmou durante sete dias o
cotidiano dos moradores do Edifício Master, situado em Copacabana, a um
quarteirão da praia. 37 moradores foram entrevistados e histórias íntimas e reveladoras
de suas vidas são apresentadas.
Olga,
2004, Brasil
Norman
Mailer : o americano, 2010, EUA
Um
documentário essencial para conhecer a história de vida de um dos grandes nomes
do Jornalismo Literário mundial e um dos pais do “New Journalism” americano. No
longa-metragem, depoimentos inéditos de esposas e amantes, admiradores e
inimigos, filhos e do próprio Mailer ajudam a compreender a personalidade do
controverso jornalista. Norman Mailer foi duas vezes premiado com o Prêmio
Pulitzer. A primeira em 1968 com o livro “Os Exércitos da Noite” – que relata a
Marcha sobre o Pentágono, manifestação civil que reuniu milhares de pessoas em
Washington, em outubro de 1967, em protesto contra a política americana na
guerra do Vietnã – e pela segunda vez em 1979 com o livro “A Canção do
Carrasco” sobre o condenado a morte Gary Gilmore.
A
liberdade temática propiciada pelo Jornalismo Literário continua a atrair
jornalistas e leitores para esta modalidade, principalmente em momentos nos
quais as pessoas procuram compreender mais profundamente os fatos ocorridos,
ansiosas por vislumbrar as causas dos eventos que as afligem. Assim, em meio a
um jornalismo cada vez mais sensacionalista e superficial, ainda viceja esta
modalidade jornalística, principalmente na forma de livros, como os publicados
pela editora Companhia das Letras, em uma coleção focada justamente no
Jornalismo Literário nacional e internacional.
Imagens meramente ilustrativas.
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